Em meio ao anúncio das autoridades de saúde de que a temporada 2017 de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti seria ainda mais rigorosa que a do ano passado, a ocorrência de casos de malária e o registro de surto de febre amarela mostram o quão desafiador é combater males transmitidos por mosquitos em Minas. Por estar em uma área tropical, com clima quente e úmido, o estado tem condições ideais para a reprodução e proliferação de espécies transmissoras dessas doenças e também da dengue, zika e chikungunya, que já se tornaram um problema de saúde pública. Para especialistas, o registro recente das duas doenças infecciosas representará, nos próximos meses de chuvas e calor, um transtorno a mais para o sistema de saúde, já comprometido com escassez de recursos, além de estrutura física e humana. Somente este ano, 133 casos suspeitos de febre amarela silvestre foram notificados em Minas, com ao menos 38 mortes. Ontem, mais quatro óbitos suspeitos pela doença foram registrados em Ladainha, no Vale do Mucuri.
No ano passado, foram 525.180 casos prováveis de dengue (suspeitos e confirmados), com 254 mortos, número recorde de contaminação em Minas Gerais, o que responsabilizou o estado por 36,8% dos registros no Brasil (1.426.005) e por 62% das ocorrências na Região Sudeste (841.286), de acordo com o Ministério da Saúde. A própria Secretaria de Estado de Saúde (SES) confirmou no fim do ano passado que as “novas” doenças transmitidas pelo Aedes (zika e chikungunya) também teriam maior severidade em 2017. “Temos um cenário ideal dentro do estado que são sazonalidades que favorecem as altas densidades do mosquito, com chuva, altas temperaturas e condições ambientais favoráveis”, diz o subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde, Rodrigo Said.
Ele explica que, enquanto os mosquitos Anopheles darlingi (vetor da malária, que teve sete casos registrados em Minas no ano passado) e Haemagogus, que transmite a febre amarela silvestre, se reproduzem em ambientes naturais, como áreas de matas, o Aedes se domesticou. Com isso, este último tem como característica principal a preferência pelos criadouros artificiais, como garrafas PET, caixas d’água, vasos de plantas ou ambientes em casa que acumulem água. O Aedes é também transmissor da febre amarela, mas do tipo urbano da doença, que não tem registro de casos em Minas desde 1942.
Apesar de o governo do estado informar que os casos de malária foram pontuais e que o surto de febre amarela está em situação controlável, especialistas falam do peso das doenças para os serviços públicos. O infectologista Carlos Starling, diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, é um dos que defendem o esforço extra. “É um desafio a mais e acaba sendo também um transtorno a mais para o sistema de saúde, pois exige mobilização e aplicação de recursos que na área da saúde, principalmente no que se refere a recursos humanos, já são escassos”. Ele lembra ainda que Minas “tem um exército de pessoas já muito absorvidas pelas ações de combate às doenças transmitidas pelo Aedes e que, mesmo com os casos de malária e o surto de febre amarela sendo localizados, o esforço para o combate gera sobretrabalho e mais gastos”.
DESIGUALDADES Ao tratar as doenças tropicais como aquelas que desestruturam os serviços de saúde, tanto público quanto privado, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Rivaldo Venâncio da Cunha detalha o impacto. “Elas pesam ainda mais porque as UPAs, hospitais e centros de saúde, que já funcionam com grande demanda, terão ainda mais pacientes buscando atendimento para essas doenças”, afirma. Ele destaca ainda outro fator: “Essas são doenças relacionadas não só ao clima, mas também a características econômicas e sociais, como as desigualdades no abastecimento de água no país, o que gera armazenamento inadequado e, consequentemente, proliferação de focos, bem como as más condições de coleta de resíduos sólidos”, diz.
Para Cunha, enquanto não surgirem aportes tecnológicos, como vacina, ou que permitam a erradicação dos mosquitos, essas são doenças que vão continuar a aparecer. “É um problema que poderia ter sido amenizado, mas que exige décadas de política pública e investimento, o que ainda não ocorreu.”
Proteção é o melhor remédio
Apesar de informar que todo o esforço está sendo feito para controle do surto de febre amarela, o subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde, Rodrigo Said, reforça a necessidade de envolvimento da população nas ações de combate aos vetores. Além das medidas para erradicar criadouros do mosquito Aedes aegypti nos centros urbanos, ele chama a atenção para medidas simples, como a orientação de tomar a vacina contra a febre amarela, uso de repelentes, telas protetoras nas janelas e mosquiteiros, além de uso de roupas de mangas longas, que podem ajudar a evitar picadas dos mosquitos em áreas de transmissão.
Sobre os casos de febre amarela, por exemplo, o subsecretário chama a atenção para a possibilidade de eles terem sido evitados. “A vacina é preconizada para crianças a partir de 9 meses, com reforço aos 4 anos. Fica disponível no calendário de vacinação durante todo o ano e tem 95% de eficácia. Mas a cobertura vacina no estado é muito baixa, justamente porque as pessoas não se vacinam”, afirma.
Desde o início do surto de febre amarela, uma força-tarefa foi montada envolvendo a SES, equipes das prefeituras de quatro regionais de Saúde do estado, técnicos do Ministério da Saúde, além de outros órgãos, como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. O subsecretário Rodrigo Said afirma que as estratégias adotadas para erradicação do vetor da febre amarela, a exemplo da borrifação de inseticida, também têm efeitos contra o Aedes nas áreas onde estão sendo adotadas.
RECURSOS Por causa do surto, o governador Fernando Pimentel já anunciou a liberação de R$ 26 milhões para as cidades afetadas pela febre amarela. São recursos que vão ser usados pelos municípios, que já enfrentam endividamentos por causa dos muitos gastos dos últimos dias. Com o dinheiro, as prefeituras ficam autorizadas a contratar profissionais, aumentar as internações, permitir que os postos de saúde fiquem abertos nos fins de semana e estendam o horário de funcionamento, entre outras ações.
Alerta no Espírito Santo
A Secretaria de Estado de Saúde do Espírito Santo registrou a morte de 54 macacos por suspeita de febre amarela nas regiões Sul e Noroeste do estado desde o início do ano. O número, no entanto, pode chegar a 80, com a confirmação de outros casos por prefeituras. A atualização será feita amanhã. Parte das mortes ocorreu em Colatina, a 220 quilômetros de Governador Valadares, no Leste de Minas, cidade-sede de uma das quatro regionais de saúde que tiveram decretada situação de emergência na por suspeita de febre amarela silvestre. A mortandade de macacos levou a bióloga da Fiocruz Márcia Chame a relacionar a tragédia de Mariana com o aumento de casos suspeitos de febre amarela em Minas. A hipótese tem como ponto de partida a localização das cidades mineiras que identificaram até o momento casos de pacientes com sintomas da doença. Grande parte está na região próxima ao Rio Doce, afetado pelo rompimento da Barragem do Fundão, em novembro de 2015. A cidade capixaba de Colatina também foi afetada pelos reflexos do acidente de Mariana. “Com a degradação do meio ambiente, animais acabam também ficando mais próximos do homem, aumentando os riscos de contaminação”, disse Márcia. A Fundação Renova, criada pela Samarco, não se manifestou sobre o assunto. Em nota, informou que “todas as informações que tenham aderência às ações em andamento serão incorporadas pela fundação.”
Fonte: EM