A mosca-da-fruta, ou Drosophila melanogaster, seu nome científico, vem sendo estudada há mais de cem anos.
Sim, moscas-das-frutas gostam de bananas. Você as encontra na cesta quando as frutas começam a estragar.
Mas elas também são um ótimo mecanismo para investigar o tempo ou, mais especificamente, os efeitos do tempo. Isso porque o ciclo de vida delas é tão curto que permite estudá-las por gerações e gerações, o que é quase impossível com humanos.
Elas custam pouco e se reproduzem de maneira extremamente rápida. Em temperatura ambiente, uma fêmea pode botar de 30 a 50 ovos por dia durante sua vida. O ciclo reprodutivo é curto, de 8 a 14 dias, e essas moscas podem se tornar avós e avôs em apenas 3 a 4 semanas.
Com três milímetros de tamanho, populações de milhões desses insetos podem ser mantidas em um laboratório e sustentadas com uma dieta simples de carboidratos e proteínas, geralmente farinha de milho e extratos de levedura.
Em 1933, Thomas Hunt Morgan ganhou um prêmio Nobel por estudar como aDrosophila recebia de herança uma mutação genética que deixava seus olhos brancos, e não vermelhos.
A pesquisa de Morgan levou à teoria sobre genes produzidos pelo DNA serem carregados por cromossomos, que eram transmitidos por gerações. A descoberta preparou o terreno para a genética moderna e o estudo da teoria cromossômica da herança.
Desde então, estudos conduzidos nessas moscas levaram a cinco premiações no Nobel, em 1946, 1995 e 2011. Conhecimento atual sobre como nos desenvolvemos, nosso comportamento, envelhecimento e evolução todos são construídos sobre a base dessas pesquisas com moscas-da-fruta.
E quanto mais as estudamos mais descobrimos que somos parecidos: 75% dos genes associados a doenças humanas têm um correspondente identificável na mosca-da-fruta.
A Drosophila tem quatro pares de cromossomos e cerca de 14 mil genes. Compare isso com os humanos, que têm cerca de 22,5 mil genes, e a levedura, com 5,8 mil genes, e somos muito mais parecidos do que você possa imaginar.
Essa proximidade genética relativa significa que experimentos com Drosophilapodem ser traduzidos de maneira efetiva para humanos. Deixamos as moscas bêbadas para estudar o vício ao álcool, investigamos o sono delas e como são afetadas pelo café e descobrimos que moscas mais velhas dormem menos.
Os primeiros genes do “jet lag” foram identificados em moscas, e hoje sabemos que também os temos.
Milhares de cientistas usam Drosophila como um organismo modelo pelo mundo, e até fora do planeta. Moscas-da-fruta foram os primeiros animais lançados ao espaço e há um laboratório permanente de moscas-da-fruta na Estação Espacial Internacional. O espaço serve para estudar coisas como por que astronautas são mais suscetíveis a doenças enquanto estão no espaço.
Por que então, se somos tão próximos geneticamente, somos diferentes das moscas e até das leveduras em um monte de outras coisas?
‘Terceiro segredo’ da vida
Peter Lawrence, autor do livro The Making of the Fly (A Construção da Mosca, em tradução livre), descreve isso como o “terceiro segredo da vida”.
Em entrevista à BBC, ele contou que o primeiro segredo é a teoria da evolução de Charles Darwin, que “descreve a gênese de todas as plantas e animais, de tudo, desde o começo”.
“A segunda é a descoberta do DNA, porque sem entender como essa informação é codificada e armazenada nessa molécula não saberíamos muito sobre o mecanismo que está por trás da vida”, afirma.
O terceiro segredo é uma pergunta que Lawrence vê como o maior desafio colocado aos biólogos do futuro.
“É algo tão cotidiano que nem pensamos a respeito. O que difere um rinoceronte de um hipopótamo?”, ele diz.
“Quando você olha para os genes, não há muita diferença. Então o que produz os padrões e tudo mais? Onde o tamanho do seu nariz está especificado? O que faz as crianças se parecerem com os pais, o que determina o formato de um rosto? Nós não sabemos. Esse, para mim, é o grande problema sem solução na biologia, e que chamo de ‘terceiro segredo da vida’.”
É um assunto que cientistas já tentaram investigar. Moscas com asas maiores foram analisadas, por exemplo, para tentar isolar os genes responsáveis pelo aumento de tamanho. Pesquisadores compararam espécies com relação evolutiva semelhante e examinaram as diferenças que conduziram a morfologias distintas.
Mas, de acordo com Lawrence, esses estudos são importantes por ajudarem a encaixar peças nesse quebra-cabeça. Só que há ainda um longo caminho até desvendarmos o “grande mistério”, e ainda precisamos torná-lo um foco maior de pesquisa.
“Se você olhar para todo o universo da ciência você uma grande área escura, e se olhar mais perto verá alguns pontos bem iluminados aqui e acolá, e em cada um há pesquisadores discutindo entre si, mas eles não olham para fora dessas janelas para imaginar o que possa estar lá”, diz o cientista.
Quaisquer sejam as respostas, afirma Lawrence, elas provavelmente serão descobertas estudando as boas e velhas moscas-das-frutas.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site da BBC Earth.